quarta-feira, 27 de setembro de 2017

MAIS UMA VIDA CEIFADA, MAIS UM JOVEM MORTO!


“Não podemos nos calar diante da morte.”

O Partido dos Trabalhadores e Trabalhadoras de Ouro Preto, se indigna e solidariza-se com os familiares e amigos do jovem Igor Mendes, que aos vinte anos de idade teve sua vida interrompida durante uma abordagem policial. A tragédia ocorreu na última sexta-feira (15/09) na região central da cidade de Ouro Preto.



Nossa indignação é também um grito por justiça, visto que estamos diante de um cenário onde a violência se consolida dia após dia, a qual atinge de forma mais intensa os jovens negros da periferia. Vale ressaltar que nenhum policial não atira sozinho. Quando um cidadão indefeso é baleado e morto pela corporação, o Estado também aperta o gatilho do militar. Ao invés de garantir a segurança universal da sociedade, o Estado policial age, permanentemente, por meio de estereótipos a partir dos quais moradores de regiões periféricas são vistos como inimigos potenciais.  Dessa forma, o jovem negro da periferia passa a ser uma ameaça constante ao corpo social apenas por existir e, portanto, deve ser revistado, enquadrado, vigiado e, até mesmo, eliminado. Infelizmente, o jovem Igor foi mais uma vítima deste modelo opressor e excludente de sociedade, onde as estatísticas indicam que a violência tem gênero, raça e classe social.
Fatos como este aqui destacado ocorrem numa naturalidade descomunal no país que, visto em conjunto, ilustram a infame situação de extermínio da juventude negra (que sequer é reconhecida). Segundo a Anistia Internacional, em 2017, dos 56 mil homicídios que ocorrem por ano no Brasil, mais da metade são entre os jovens. E dos que morrem, 77% são negros. Além do mais, os negros possuem 23,5% mais chances de serem assassinados do que brasileiros de outras raças.   


      
Não podemos nos calar diante da morte, não podemos aceitar que os aparelhos repressivos do Estado atuem de forma equivocada e despreparada. Por isso exigimos aos órgãos competentes que realizem uma investigação justa, coerente e transparente deste caso. Sabemos que nenhuma ação trará o Igor de volta, mas poderá impedir que tantos outros tenham suas vidas ceifadas.
Sabemos que a investigação é um passo importante nessa luta por justiça, e por isso exigimos! Temos também a certeza que precisamos ir além, romper com este silêncio é fundamental para deixarmos claro que não estamos coniventes e não naturalizamos a cultura de morte que vem se perpetuando de norte a sul neste país. Temos quanto cidadãs e cidadãos a missão de transformar nossas inquietações e sofrimentos em gestos concretos, em políticas públicas que visem extinguir as mais diversas expressões de violência, é necessário que tenhamos a ousadia de dialogar, pensar e construir mecanismos eficazes com o objetivo de edificar em nossa sociedade a cultura de paz, esta que se faz urgente e necessária, não sendo em hipótese alguma mera utopia, e sim, algo justo e possível.


Sendo assim, somos provocados/as começar por nossa casa comum, pela nossa Ouro Preto, através da unidade entre as organizações governamentais e não governamentais municipais e regionais que tenham como bandeira de luta a defesa da vida e dos direitos humanos, é necessário que o debate sobre  violência e as mais diversas formas de exclusão e opressão chegue as nossas comunidades assim como é extremamente importante que chegue as câmaras municipais. Ouro Preto não pode continuar sendo uma cidade onde o valor da vida é medido conforme o bairro em que se vive, a raça que se tem e o sobrenome que se ganha. Temos uma luta que deve ser abraçada por todos e todas, pois a violência pode nos afetar a qualquer momento, hoje foi o Igor amanhã pode ser você ou uma pessoa próxima, ou seja, eis uma discussão histórica, humana, social, econômica e política.


“A Juventude quer viver!” 

terça-feira, 18 de abril de 2017

O Negro no mundo dos Brancos



O Brasil vive simultaneamente, em várias idades histórico-sociais. Presente, passado e futuro entrecruzam e confundem-se de tal maneira que se pode passar de um estágio histórico a outro pelo expediente mais simples: o deslocamento no espo. Onde cada estágio histórico corresponde uma situação humana e está, organiza-se, estrutural e dinamicamente, como um mundo material e moral com sua função própria. As várias  situões  humanas  possíveis  em  à  luz,  no  conjunto,  os  diferentes  padrões  de  integração sociocultural e pelo modo dele vincular-se com as tendências atuantes de modernização daquela sociedade.


O dilema racial brasileiro, na forma em que ele se manifesta na cidade de São Paulo, lança suas raízes em fenômenos de estratificação social. Tendo-se em vista a estrutura social da comunidade como um todo, pode-se afirmar que, desde o último quartel do século XIX a hoje, as grandes transformões histórico- sociais não produziram os mesmos proventos para todos os setores da população.


Entende-se que ao longo da história o mundo dos brancos foi profundamente alterado pelo surto econômico e pelo desenvolvimento social, ligados à produção e à exportação do café, no início, e à urbanização acelerada e a industrialização, em seguida. O mundo dos negros ficou praticamente à margem desses processos dentro dos muros da cidade, mas não participasse coletivamente, de sua vida econômica, social e política.


Quando o sistema de castas foi abolido legalmente, na prática, a população negra e mulata continuou reduzida a uma condição social análoga a preexistente. Daí resulta que a desigualdade racial manteve-se inaltevel, nos termos da ordem social inerente à organização social desaparecida legalmente, e que o padrão assimétrico de relação social tradicionalista (que conferia ao branco” supremacia quase total e compelia o negro” à obediência e à submissão) encontrou condições materiais e morais para se preservar em bloco.


Cabe ressaltar que São Paulo, somente a partir do último quartel do século XIX ela sofre modificações que a convertem propriamente em cidade, ao estilo de outros agregados urbanos da época. Os centros urbanos provocavam certas necessidades especiais que ampliavam a divisão do trabalho social. Neles surgiram ocupões e serviços que alargavam a área de atividade construtiva do escravo e, especialmente, que não podiam  ser  exercidos  nem  pelo  escravo  nem  pelo  homem  livre.  O  liberto  desfrutava  assim,  algumas


oportunidades  econômicas  que  lhe  permitiam  integrar-se  na  estrutura  ocupacional  das  cidades  e  que forçavam os brancos a terem interesse pelo seu adestramento e aproveitamento em tal área.


Em São Paulo, o início da expansão econômica coincide com a concentração crescente de imigrantes de origem europeia e com a crise do próprio regime servil. Assim ao eclodir a abolição, estavam distribuídos nas ocupões menos desejáveis e compensadoras, pois as oportunidades melhores haviam sido monopolizadas pelos imigrantes. Neste sentido os negros/as ficaram relegados aos papeis secundários. O negro  com  abolição  ele  perdeu  os  liames  humanitários  que  prendiam  aos  brancos  radicais  ou inconformistas e deixou de formar uma consciência social própria da situação.
Como foi mais tutelado no processo revolucionário, o negro não tinha uma visão objetiva e autônoma dos seus interesses e possibilidades. Converteu a liberdade em um fim em si para si, sofrendo com a destituição uma autentica espoliação – a última pela qual a escravidão ainda seria responsável.


No entanto, parecia que os brancos  evidenciavam falta de responsabilidade e que os negros seriam “emprestáveis”  ou  intratáveis”,  fora  do  jugo  da  escravidão.  De  outro  lado,  o  próprio  negro  pós  a liberdade acima de tudo, como se ela fosse um valor intovel e absoluto. Por falta de socializão prévia, não sabia avaliar corretamente a natureza e os limites das obrigões decorrentes do contrato de trabalho.


Pode-se dizer que a abolição protegeu-o na esfera dos homens livres” sem que eles dispusessem de recursos

psicossociais e institucionais para se ajustar à nova posição na sociedade.



Vivendo em condições deploráveis, o negro não tinha elementos para cultivar ilusões sobre o presente ou sobre o futuro. E ainda acumulava pontos negativos, pois o branco percebia e explicava etnocentricamente os aspectos dessa situação de que tomava conhecimento, através de cenas deprimentes, ou do noticrio dos jornais, imputando ao próprio negro a culpa” pelo que ocorria (como se o negro não tivesse ambição, não gostasse de trabalhar”, fosse bêbado, tivesse propensão para o crime e a prostituição, e não fosse capaz de dirigir sua vida sem a direção e o jugo do branco). Contudo, o drama em si mesmo não comoveu os brancos nem foi submetido a controle social direto ou indireto; serviu para degradar ainda mais a sua vítima no consenso geral. O negro e o mulato não dispunham de técnicas sociais que lhes facultassem o controle eficiente de seus dilemas e a superação rápida dessa fase de vida social anônima. A miséria associou-se à anomia social, formando uma cadeia de ferro que prendia o negro, coletivamente, a um destino inexorável.


Deve-se considerar as causas e os efeitos dos movimentos sociais, que se constituíram no meio negro de São Paulo. Nenhum agregado humano poderia suportar, de modo totalmente inerente, uma situação como a que a população negra e mulata enfrentou naquela cidade. Aos  poucos, foram-se esboçando  e criando foa algumas tímidas tentativas de crítica e de autodefesa. Entre 1925 e 1930, essas tentativas tomaram corpo e


produziram seus primeiros frutos maduros, expressos numa imprensa negra, empenhada em difundir formas de autoconscncia da situação racial brasileira e do “abandono negro, e também em organizões dispostas a levar o protesto da gente negra ao terreno prático. Pela primeira vez na história social da cidade, negros e mulatos coligavam-se para defender os interesses econômicos, sociais e culturais da raça”, buscando formas de solidariedade e de atuação social organizada que redundassem em benecio da reeducação do negro, na elevação progressiva de sua participação no nível de renda, no estilo de vida e, por converter-se em cidades inclusiva visto a busca adesão ao movimento, estes serviram para criar um marco histórico e redefinir  as  atitudes  ou  os  comportamentos  de  negros  e  mulatos.  Desmascarando  a  ideologia  racial dominante, eles elaboram uma contra ideologia racial que aumentou a área de percepção e de consciência da realidade racial brasileira por parte do negro.


Como as reivindicações eclodiam de forma pacífica, elas não germinavam disposições de segregação social e não alimentaram tensões ou conflitos de caráter racial. Nesse sentido, eles foram socialmente construtivos, difundindo  novas  imagens  do  negro,  recalibrando  sua maneira de resolver seus  problemas  e tentando absorver as cnicas sociais e aproveitar as oportunidades econômicas de que desfrutavam os brancos. Cabe ressaltar, que os círculos mais influentes, imbuídos de atitudes e avaliações tradicionalistas, reinterpretaram os movimentos sociais surgidos no meio negro como um perigo e como uma “amea.


Por volta do Estado Novo, os movimentos foram proscritos legalmente, sendo fechada a Frente Negra Brasileira, a principal organização aparecida nesse período. Esboçaram-se, com a extinção do Estado Novo entre 1945 e 1948, algumas tentativas de reorganização daqueles movimentos. Mas todas elas falharam redondamente, pois os negros e mulatos em ascensão social passaram a dar preferência a uma estratégia estreitamente egoísta e individualista de solução do problema do negro. Pode-se considerar que os brancos desfrutam de uma hegemonia completa e total, como se a ordem social vigente fosse, literalmente, uma combinação híbrida do regime de castas e do regime de classe.


Em termos gerais, o busílis do dilema racial brasileiro” tal como ele pode ser caracterizado sociologicamente através de uma situação histórico social de contato de São Paulo reside mais no desiquilíbrio existente entre a estratificação racial e a ordem social vigente que em influências etnocêntricas especificas e irredutíveis. No entanto, o padrão de relação racial tradicionalista continha influências cio dinâmicas etnocêntricas. E elas não desapareceram. Continuam fortes e atuantes graças ao arcabouço social que preserva uma concentração racial da renda do prestígio social e do poder mais representativo de uma sociedade de castas” que de uma sociedade de classes.


O preconceito e a discriminação surgiram na sociedade brasileira como uma contingência inelutável da escravidão. A discriminação, por sua vez, emergia e objetivava-se socialmente como requisito institucional da relaçãsenhor-emergia  e objetivava-se socialmente como  requisito  institucional  da relação  senhor-


escravo e da ordem social correspondente. Como o fundamento da distinção entre o senhor e o escravo procedia de sua condição social, a discriminação se elaborou, primariamente, como um recurso para distanciar socialmente categorias raciais coexistentes e como um meio para ritualizar as relações ou o convívio entre o senhor e o escravo. Enfatiza-se que os escravos eram percebidos e representados como inimigos da ordem” pública e privada e para mantê-los sob o jugo senhorial e na condição de escravo, acrescenta-se a violência como meio normal de repressão, de disciplina e de controle.


Em suma, diferenciaram-se dois mundos sociais distintos e opostos, entre dois estoques raciais que partilhavam de culturas diferentes e possuíam destinos sociais antagônicos. As fontes de distinção e de separação não eram primariamente raciais. Mas convertiam-se em tal, na medida em que atrás do senhor estava o branco e, por trás do escravo, ocultava-se o negro ou mestiço.


Pondo-se de lado a era da escravidão, temos diante de nós três problemas marcantes. O primeiro diz respeito  à  fase  de  transão,  em  que  o  padrão  tradicionalista  e  assimétrico  de  relação  racial  subsiste inalterado. O segundo refere-se ao que acontece quando a ascensão social do negro provoca alguma espécie de ruptura no paralelismo ao regime de classes sociais o que redundaria na absorção da desigualdade racial pela ordem social competitiva em expansão.


Estes fatos são deveras significativos do ponto de vista sociológico. Eles indicam duas coisas essenciais. Primeiro, que as inovações que afetam o padrão de integração da ordem social nem por isso reperceitem, de modo direto, imediato e profundo, na ordenação das relações raciais. Onde persiste o mundo tradicionalista brasileiro, é inevitável que sobreviva, mais ou menos forte, o paralelismo entre “cor e posição social, ainda que os agentes humanos envolvidos neguem essa realidade.


O preconceito e a discriminação racial são expressões puras e simples de mecanismos que mantiveram, literalmente, o passado no presente, preservando a desigualdade racial ao estilo da que imperava no regime de castas. Isso significa, naturalmente, que onde o tradicionalismo se perpetua incólume, na esfera das relações raciais por mais que se propale o contrário ele acarreta a sobrevivência cita do paralelismo entre cor” eposição social.


Com o caminhar da história, um novo perfil de negro foi surgido. Diante desse novo negro, o branco vê-se numa posição confusa e residualmente ambivalente. O novo negro” já é, em si mesmo, um tipo humano relativamente complicado: possui uma mentalidade mais secularizada e urbanizada, não teme a livre competição com o branco e, sobretudo, pretende vencer na vida” a todo custo. Rompe os cordões materiais ou morais com seu “ambiente de origem”, negando-se a conviver com os negros pobres, a respeitar a sociedade agreste, que torna o negro rico” uma vítima indefesa dos amigos ou parentes “em necessidade”, e a manter um nível de vida modesto.


Refuga o negro desleixado, que seria o fator da eterna degradação do negro pelo branco; e combate os movimentos sociais de cunho racial, assoalhando que o problema não é esse” e que eles podem se tornar contraproducentes, ao despertar ilusões entre os próprios negros e ao fomentar a animosidade do branco.


De maneira mais ampla, entende-se que o negro se apresenta como o principal agente humano de modernização das raciais na cidade, pois objetiva uma forma mais ativa e constante de repulsa às manifestações tradicionais do preconceito e das discriminões raciais.


No momento em que o negro rompe com os estereótipos e com as conveniências dissimuladas, impondo-se socialmente por seus méritos pessoais, por sua riqueza e por seu prestigio, quebra-se inevitavelmente uma das polarizões que permitia disfarçar o paralelismo entre “cor” e posição social. O preconceito e a discriminação racial sobem à tona sem máscara.


Por outro lado, os brancos de propensão realmente tolerante e igualiria procuram amparar esse novo negro, resguardando-o dos efeitos da pressão indireta e estimulando-o a prosseguir em suas ambições. Tais brancos hostilizam o farisaísmo do preconceito e da discriminação racial dissimuladas, ao mesmo tempo que procuram, embora por vezes insatisfatoriamente, dar a mão ao negro que merece. Por isso, como produto reativo da emergência do novo negro” e pelo impacto de sua personalidade ou de seu sucesso, alguns círculos da população branca também se envolvem de maneira mais profunda na modernização dos padrões vigentes de relões raciais.


No entanto cabe ressaltar, que o meio propriamente dito na reage uniformemente ao êxito do novo negro. Contudo, é impossível prever o que vai acontecer no futuro remoto, em maria de relões raciais, uma vez que, há quem tenha medo de perder prestigio social “aceitando o negro; há também os que aceitam o negro na órbita do convencional, afastando-se deles na área da verdadeira amizade e da comunhão afetiva; há, por fim, os que sustentam a todo custo certas representações arcaicas, repudiando qualquer possibilidade de incluir-se o negro em posições que envolvam o exercício de liderança e de dominação.


Entende-se que a concentração racial da renda, do prestigio social e do poder as tendências muito débeis de correção  dos   efeitos  negativos  que  ela  pareça  inexoravelmente  e  as  propensões  etnocêntricas   e discriminativas poderão facilitar a absorção gradual do paralelismo entre cor e posição social” pelo regime de classes. Parece indubitável que essa ameaça existe. O pior é que ela uma realidade que pode ser combatida de forma consciente e organizada.


O modo geral para os segmentos brancos da sociedade, o que importa, vitalmente, não é o destino da democracia racial, mas a continuidade e o ritmo de expansão da ordem social competitiva. Os segmentos


negros e mulatos da sociedade, por sua vez, não possuem elementos para desencadear e generalizar o estado de espirito por uma defesa consciente, sistemática e organizada da democracia racial. Por conseguinte, a democracia racial fica entre o seu destino, sem ter campeões que a defendam como um valor absoluto. Ressalta-se que se a formação e o desenvolvimento espontâneo das classes sociais enredarem a desigualdade racial  na  desigualdade  inerente  à  ordem  social  competitiva,  então  ela  estará  fatalmente  condenada. Continua a ser um belo mito.

Referência bibliográfica na íntegra: 

FERNANDES. Florestan. O negro no mundo dos brancos. São Paulo. Global.  2007.